Anvisa aponta falhas na vacina Sputnik-V e recusa importação do imunizante

Na última segunda-feira (26), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária negou a permissão para importação e uso emergencial da vacina Sputnik V, de origem russa. Dentre os argumentos usados pelo órgão regulador brasileiro estão falhas na documentação, no desenvolvimento do imunizante, nos ensaios clínicos e no controle de qualidade.

A Sputnik V usa a tecnologia de vírus vetor (Adenovirus), mas este, pelos padrões científicos internacionais, deveria estar desativado ou inócuo. Entretanto, no caso da vacina russa, a Anvisa detectou que o vírus estava ativado, ou seja, replicante, o que poderia causar infecções.  

O diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, afirmou que os dados apresentados pela fabricante da Sputnik V apontaram que o imunizante é “uma ameaça à saúde da população”. A Rússia começou a vacinação sem que a fase 3 tivesse começado e as fases 1 e 2 de testes envolveram apenas 76 pessoas. Em entrevista publicada nesta sexta-feira (30) pelo jornal Valor Econômico, o chefe da agência fez duras críticas à postura do Instituto Gamaleya e do RDIF (Fundo Russo de Investimento Direto), responsáveis pela produção e distribuição da vacina.

Barra apontou falta de transparência nos dados entregues pelos fabricantes da vacina russa. “Havia tanto uma escassez de informações transparentes e sólidas quanto, naquelas que foram apresentadas, índices inaceitáveis da presença de vírus replicante. É o vírus que pode se reproduzir de uma maneira não controlada, de uma maneira não evitável e, portanto, com consequências imprevisíveis e imponderáveis”, afirmou. Todos os 5 diretores votaram para barrar a Sputnik V, após cerca de 5 horas de reunião.

Defensores tentam descredibilizar Agência Sanitária

O imunizante russo é a aposta de alguns governadores e grupos políticos do país, na busca por protagonismo no combate ao Covid 19. Um dos principais defensores é o governador da Bahia Rui Costa. Em entrevista a um canal de TV fechado, o petista afirmou haver falta de vontade e excesso de vaidade da Anvisa para aprovar o uso da vacina. “O que queremos é uma posição proativa da Anvisa. O que não concordamos é que com a posição cômoda de que os russos tem que provar se a vacina é boa ou não”, enfatizou.

A questão que se coloca é que ciência não é feita com boa vontade e sim com dados e estudos apurados. Em 15 de março deste ano, o governo baiano celebrou um contrato com o fabricante da Sputnik V, para a compra de quase 10 milhões de doses, mesmo sem a mesma estar aprovada no país.  Rui Costa é também o presidente do Consórcio Nordeste, responsável pela compra de 300 de respiradores que não foram entregues. Pela teórica aquisição, o governo da Bahia desembolsou mais de R$200 milhões de reais. O petista foi denunciado em delação premiada por este episódio.

Reportagem reforça suspeitas sobre qualidade da vacina

Em uma reportagem especial da Rede Globo, transmitida na noite de ontem, uma equipe de jornalistas foi até a Rússia, para entender mais sobre a produção da vacina. As imagens (que chegam a remeter cenas de filmes) reforçam as afirmações feitas pelo órgão brasileiro, de que a vacina está cercada por mistérios e falta de informações.

Após alguns adiamentos, uma viagem para visitar fábricas russas da Sputnik V aconteceu em 16 de abril. No mesmo dia, a Anvisa divulgou um laudo com uma lista extensa de informações que não teriam sido fornecidas para realizar a análise do imunizante. A expectativa do governo brasileiro era de que a viagem servisse para certificar as fábricas e também para ter acesso a documentos necessários para a autorização de uso emergencial.

Porém, Ana Carolina Araújo, gerente-geral de inspeção e fiscalização sanitária da Anvisa, informou que não foi apresentado o relatório técnico de aprovação do imunizante russo, para verificar o controle de qualidade na fabricação. Inclusive, a inspeção no Instituto Gamaleya não foi permitida pelo governo russo, o que teria impedido a verificação do padrão de controle de qualidade. E por fim, a gerente afirmou que “o risco inerente a fabricação não é possível de ser superado” tanto para os insumos fabricados quanto para os produtos acabados.

A Anvisa também alerta que os dados sobre a eficácia da vacina são incertos, porque não houve padronização na avaliação dos pacientes (como quais primeiros sintomas seriam considerados, período de coleta e quais amostras dos pacientes seriam coletadas). Mesmo se informações adicionais fossem apresentadas, a falta de padronização inviabilizaria a análise pela Anvisa. “Não se pode excluir a possibilidade de terem ocorridos casos que foram considerados negativos durante o estudo, quando, na verdade, poderiam ser positivos para Covid-19”, diz Gustavo Santos, gerente-geral de medicamentos e produtos biológicos do órgão sanitário brasileiro.

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