O isolamento imposto pela pandemia do coronavírus levou grande parte dos brasileiros a ampliar a sua vida digital. Aumentaram as chamadas de grupo pelo WhatsApp, as reuniões por Skype e até as festas particulares no Zoom.
Cresceu em casa o consumo de TV aberta e de serviços de streaming. Há também o aumento de outra modalidade de conexão: o ‘sky gato’, serviço pirata que, ligado à internet, pode dar acesso ilegal a 2.000 canais fechados.
Pequenos provedores de internet ouvidos pela Folha relataram que o consumo de banda do sky gato responde por cerca de 30% do volume de suas redes, fatia considerável no momento em que as operadoras tentam se adequar à nova demanda, que já gera pontos de estresse e de lentidão.
O sky gato moderno é uma espécie de evolução do esquema ilegal que decodificava o sinal da Sky e liberava todos os canais da TV por assinatura por meio de uma antena. Hoje, é um receptor pirata que permite o acesso a emissoras se conectado à internet residencial. Um aparelho custa até R$ 800.
Sky gato, lembram especialistas, é diferente do gatonet, termo que designa conexão ilegal de internet banda larga.
“Há gargalo em vários pontos da minha rede devido ao sky gato. Não estou considerando se é ilegal ou não. Mas o cliente contratou o pacote, agora usa tudo o que paga, quer que funcione e têm que funcionar”, diz Alex Neves, dono da TelefonarNet, pequeno provedor de Londrina (PR).
Segundo ele, um cliente sem sky gato contrata um pacote de 100 mega, por exemplo, e consome uma média de 1 mega. Na casa do cliente com sky gato, a média sobe para 4 mega. Rodar um vídeo desses serviços pode consumir até três vezes mais banda do que um vídeo de streaming.
Um aparelho do tipo pode representar até 80% do consumo da banda de uma residência, dizem provedores.
Não há dado oficial sobre o número de sky gato no Brasil, mas a ABTA (Associação Brasileira de TV por Assinatura) estima que 4,5 milhões pessoas consumam serviços não autorizados de TV.
Os provedores não têm como saber com exatidão quantas residências de suas redes são usuárias, mas têm uma ideia baseada no monitoramento da origem do tráfego.
O trânsito ilegal de IPTV —o protocolo que entrega conteúdo de TV pela internet— costuma vir de servidores da Ásia e da África.
“O sky gato deve girar em torno de 30% a 35% da minha banda. É uma estimativa, porque eles mudam os servidores do IPTV gato de lugar quando a Interpol bate”, diz Maurício Andrade, da MMA Internet, que atende cerca de 30 mil casas no Recôncavo Baiano.
A WLE Net, que atende municípios fluminenses e cerca de 20 mil clientes, diz que o consumo aumentou 40% e que o uso de IPTV ilegal chega a 60% na sua rede. “Não deu problema porque estávamos preparados”, diz o sócio Leonardo Rodrigues dos Santos.
Outro operador da região, que não quis se identificar, disse que o link internacional, que ele atribui ao “IPTV gato”, aumentou 25% nos últimos dias em relação ao período anterior ao isolamento.
Empresas como Facebook (dona do WhatsApp), Google (que detém o YouTube) e Netflix têm um recurso de distribuição de conteúdo chamado de CDN (espécie de servidor alocado próximo a pontos de consumo que mantém réplicas de arquivos, como filmes).
O sistema permite que as cópias dos conteúdos, como uma série da Netflix, não saiam de servidores dos Estados Unidos mas de poucas quadras da casa de um assinante, sem sobrecarregar a rede do provedor.
Já um conteúdo do sky gato viaja da Europa, da Ásia ou da África diretamente ao Brasil, passando por diferentes estruturas e pontos de interconexão. Esse tipo de link é mais caro às operadoras.
“O conteúdo do sky gato fica em um servidor escondido em países com regras mais brandas e o tráfego vem da Europa ao Brasil, por exemplo, consumindo banda integral como se fosse um streaming ao vivo”, diz Lacier Dias, sócio da Solintel, empresa que presta assessoria regulatória a mais de 3 mil pequenos provedores.
O sky gato, segundo ele, tem três funções: decodificar sinal de TV, minerar bitcoin e permitir ataques cibernéticos.
“A infraestrutura necessária para decodificar uma TV e enviar a milhões de boxes [caixas] dessas é caríssima e monstruosa. Não são R$ 800 que você paga e se livra. Paga com capacidade computacional, dados pessoais e link de internet, essa é a moeda de troca”, diz.
O mercado de TV paga no Brasil tem cerca de 16 milhões de clientes, quatro vezes mais que os potenciais usuários ilegais de TV, ainda segundo dados da ABTA.
“Estimativas mostram que os 4,5 milhões de possíveis usuários de TV ilegal deixam de pagar R$ 8,7 bilhões por ano, considerando planos básicos de TV por assinatura”, diz Pablo Re, sócio da Bip Consultoria.
A presença desse tipo de aparelho e a intensidade da fiscalização varia de acordo com as condições socioeconômicas de cada país, segundo Re.
A título de exemplo, no Rio de Janeiro, um pacote avançado de TV por assinatura autorizado custa, em média, R$ 1.800 ao ano. O que não inclui fidelização de 12 meses sai mais caro.
A Abrint, que representa 1.300 provedores no Brasil, diz que não tem informações sobre a dimensão do uso de sky gato no país. O SinditeleBrasil, que responde pelas maiores operadoras, não se pronunciou sobre o assunto.
*Bnews