De cada 100 imA?veis vendidos, 41 foram devolvidos A�s construtoras em 2015

Foto: Mila Cordeiro | Ag. A TARDE | 23.09.2015

Se o setor imobiliA?rio tivesse de escolher uma palavra para se lembrar de 2015, ela certamente seria “distrato” – jargA?o usado pelas empresas, e agora tambA�m conhecido dos consumidores, para devoluA�A?o de imA?veis comprados na planta. Esse foi o pesadelo de incorporadoras e proprietA?rios de imA?veis novos no ano passado, quando o setor registrou recordes histA?ricos no volume de devoluA�A�es. O levantamento mais recente da agA?ncia de classificaA�A?o de riscos Fitch, com nove companhias, mostra que, de cada 100 imA?veis vendidos, 41 foram devolvidos de janeiro a setembro de 2015. Isso significa quase R$ 5 bilhA�es de volta na prateleira de venda das grandes empresas.

“Historicamente, o porcentual de distratos girava em torno de 10%, um patamar saudA?vel para a indA?stria”, diz Meyer Nigri, fundador da Tecnisa e vice-presidente da Abrainc, associaA�A?o que reA?ne as 18 maiores companhias do setor. Os distratos sempre existiram, mas eram exceA�A?o, pois o comprador que decidia se desfazer de uma unidade atA� a entrega das chaves em geral conseguia negociA?-lo com outro interessado por um valor maior do que tinha desembolsado atA� ali.

Agora, vender “por fora” significa perder dinheiro, jA? que o preA�o do imA?vel estA? em queda e as incorporadoras estA?o cheias de unidades para desovar. “Antes, o consumidor comprava um imA?vel por R$ 100 mil na planta, vendia por R$ 150 mil e embolsava a diferenA�a”, diz um executivo de uma grande construtora. “Agora, compra por R$ 100 mil, mas descobre, na entrega das chaves, que a incorporadora estA? vendendo por R$ 80 mil. A� difA�cil sustentar o mercado assim.”

Essa A� apenas uma das faces do problema. A outra, que tambA�m se agravou com a deterioraA�A?o econA?mica, A� a restriA�A?o ao crA�dito. Conseguir um financiamento no banco estA? cada vez mais difA�cil. No mercado imobiliA?rio, esse A� um momento crucial, porque a venda sA? se concretiza na entrega das chaves: A� quando o cliente da incorporadora passa a ser cliente do banco, ao assumir um financiamento, e a empresa recebe o valor integral do imA?vel. A alta da taxa de desemprego, para quase 8,5% no ano passado, atravancou esse processo. Quem perdeu o emprego ou viu sua renda cair entre a compra do imA?vel e a entrega das chaves tem grande chances de ter o financiamento negado pelo banco.

Antes que isso acontecesse, muita gente se antecipou. Foi o caso do aposentado FlA?vio Atorre de Mello, de 63 anos. Quatro meses depois de comprar um apartamento na planta, em novembro de 2012, ele foi demitido da emissora de TV onde trabalhava como gerente de operaA�A�es. De lA? para cA?, a Selic, taxa bA?sica de juros da economia, passou de 7,25% para 14,25%. “Quando fechei o negA?cio, minha ideia era pagar o mA?ximo possA�vel atA� as chaves e depois quitar o restante com meu apartamento antigo”, conta. “Mas deu tudo errado: o valor que faltaria pagar na entrega, em julho deste ano, seria de R$ 700 mil, bem mais do que vale meu apartamento, que nA?o se valorizou e custa hoje R$ 500 mil.”

Sabendo que o financiamento seria inevitA?vel e que sua renda nA?o passaria pelo crivo do banco, Mello decidiu, em julho do ano passado, devolver o imA?vel A� incorporadora. Foi lhe apresentaram o jargA?o “distrato” e os transtornos que estA?o por trA?s dele. Descontadas as taxas de corretagem, comercializaA�A?o e despesas administrativas, a empresa propA?s devolver apenas R$ 40 mil dos R$ 200 mil que Mello pagou nos A?ltimos trA?s anos. O caso foi parar na JustiA�a.

Hoje, Mello vende peA�as de motos pela internet para conseguir uma renda extra, e jA? convenceu a mulher de que a mudanA�a de apartamento nA?o virA? tA?o cedo. “DifA�cil A� passar todos os dias na frente do empreendimento, que fica a 500 metros de onde moro hoje, e lembrar que nada do que sonhamos vai se concretizar.”

Disputa

Casos como esse se multiplicaram no escritA?rio do advogado Marcelo Tapai, que se especializou no segmento imobiliA?rio. No ano passado, das 725 aA�A�es movidas por ele, 73% eram referentes a distratos. Em 2014, o porcentual foi de 43%. O embate entre clientes e incorporadoras estA? sendo levado A� esfera judicial porque nA?o hA? uma regulamentaA�A?o especA�fica sobre a devoluA�A?o de imA?veis no Brasil.

De um lado, as empresas se valem do que diz a Lei de IncorporaA�A?o: “O contrato de compra e venda de uma unidade A� irrevogA?vel e irretratA?vel”. Do outro, quem defende o direito ao distrato recorre a uma regra geral do CA?digo de Defesa do Consumidor, que trata como abusivas as clA?usulas que colocam o cliente em desvantagem exagerada. “Essa A� sem dA?vida a hipA?tese em questA?o”, diz o Idec, em nota. “JA? que o fornecedor, alA�m de ficar com o imA?vel, ainda terA? em mA?os todo o valor pago pelo consumidor, essa situaA�A?o caracteriza-se um verdadeiro enriquecimento sem causa, proibido pela legislaA�A?o.”

As decisA�es, em geral, favorecem o consumidor. A JustiA�a tem concedido o direito de restituiA�A?o entre 70% a 90% do que foi pago, com correA�A?o monetA?ria. A retenA�A?o de 10% a 30% do valor pela companhia A� para compensar despesas como publicidade, corretagem e elaboraA�A?o de contratos. “NinguA�m compra um imA?vel pensando em devolver”, diz Tapai. “Quem busca essa opA�A?o ou estA? desesperado ou se deu conta de que fez um pA�ssimo negA?cio.”

As incorporadoras estA?o em pA?nico com isso. Principalmente porque as sucessivas perdas nos tribunais coincidem com uma das crises mais graves do setor. Segundo Meyer Nigri, a Tecnisa terminou o ano com uma mA�dia de dez devoluA�A�es por dia A?til. “Chegamos ao ponto de distratar o mesmo imA?vel nove vezes, o que A� uma aberraA�A?o.” A empresa teve de destacar uma equipe sA? para cuidar desses casos. Ainda assim, o nA?mero de distratos aumentou 46% no terceiro trimestre do ano passado, na comparaA�A?o com 2014. As desistA?ncias fizeram as vendas lA�quidas caA�rem de R$ 306 milhA�es para R$ 135 milhA�es no perA�odo.

Na Rossi, o tema A� tA?o sensA�vel que o time criado para combater os distratos foi batizado de Swat, como a divisA?o de elite da polA�cia americana. Em 2015, atA� setembro, a incorporadora, que A� uma das mais endividadas do setor, conseguiu reduzir os distratos para R$ 775 milhA�es, de R$ 990 milhA�es, em 2014.

Assim como as concorrentes, a Rossi tem se desdobrado para evitar que as intenA�A�es de distrato se concretizem. Entre as alternativas, as empresas estA?o oferecendo financiamento direto, troca por um imA?vel mais barato e descontos. “Antes, o tema era tratado como exceA�A?o. Criamos uma A?rea especA�fica para que nA?o vire regra”, diz Fernando de Mattos Cunha, diretor financeiro da Rossi.

Em paralelo A�s soluA�A�es caseiras, o mercado imobiliA?rio comeA�ou a se articular para definir regras que nA?o afetem tA?o fortemente suas finanA�as. “Estamos em contato com o MinistA�rio PA?blico e com A?rgA?os de defesa do consumidor para encontrar uma soluA�A?o”, diz Nigri. O argumento dos empresA?rios A� de que, ao devolver uma unidade, o consumidor coloca em risco a conclusA?o do empreendimento, podendo prejudicar outros compradores. “NA?o A� sA? a visA?o do consumidor que estA? em jogo, mas o contrato de um bem que nA?o estA? dissociado do resto e compromete outras famA�lias”, defende Eduardo Fischer, diretor da MRV.

Com as empresas segurando lanA�amentos desde o ano passado, a tendA?ncia A� que o nA?mero de entregas e, consequentemente, de distratos, caia nos prA?ximos anos. Em 2016, no entanto, ele vai persistir. O relatA?rio da Fitch estima que, se 35% das unidades vendidas forem canceladas, os distratos chegariam a R$ 6 bilhA�es entre as principais empresas do setor. As informaA�A�es sA?o do jornal O Estado de S. Paulo.

Fonte: EstadA?o

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