Desastre do óleo no litoral nordestino segue sem responsabilização após quase seis anos, aponta MPF

Quase seis anos após o maior desastre ambiental já registrado no litoral brasileiro, o Ministério Público Federal (MPF) ainda aguarda respostas de autoridades estrangeiras para avançar na investigação sobre a origem do vazamento de óleo que atingiu mais de 3,6 mil quilômetros de costa e impactou centenas de comunidades costeiras.

A informação foi confirmada pela Procuradoria da República no Rio Grande do Norte, responsável pela apuração criminal. “Ainda existem incertezas sobre a autoria, com respostas pendentes de autoridades estrangeiras”, informou o órgão à Agência Brasil.

As primeiras manchas de óleo apareceram no fim de agosto de 2019, no litoral da Paraíba, e rapidamente se espalharam pelos nove estados do Nordeste, além de partes do Espírito Santo e do Rio de Janeiro, afetando manguezais, recifes de corais, praias e unidades de conservação.

Danos ambientais e custos públicos

De acordo com o Ibama, foram 130 cidades atingidas. A gravidade levou o governo federal a acionar, pela primeira vez desde sua criação, o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo, mobilizando órgãos civis, militares e ambientais. No entanto, a ativação do plano ocorreu apenas mais de 40 dias após a primeira detecção do óleo.

A operação de contenção e limpeza teve custo estimado em R$ 187,6 milhões, com R$ 128 milhões arcados pela Marinha e outros R$ 43,2 milhões projetados pela Petrobras, dos quais R$ 39 milhões foram efetivamente pagos pelo Ibama.

Gastos adicionais foram reportados por governos estaduais, como Pernambuco (R$ 9,1 milhões) e Rio Grande do Norte (R$ 621 mil), incluindo ações emergenciais e salvamento de animais marinhos.

Investigação sob sigilo e sem punições concretas

Em dezembro de 2021, a Polícia Federal indiciou a empresa grega Delta Tankers, proprietária do navio Bouboulina, além do comandante e do chefe de máquinas, com base em indícios de que o navio teria vazado ou descartado óleo próximo à costa brasileira. O inquérito estimou um dano inicial de R$ 188 milhões.

Apesar disso, nenhuma sanção administrativa ou multa foi aplicada pelo Ibama, que argumenta que o indiciamento policial não é suficiente para a lavratura de auto de infração. A Advocacia-Geral da União (AGU) também informou que não integra nenhum processo judicial contra os responsáveis, pois não há ação indenizatória aberta até o momento.

A investigação do MPF segue sob segredo de justiça, o que dificulta o acompanhamento público do caso. “O sigilo é uma exceção e deveria ser sempre justificado. A sociedade não conhece quais provas estão sendo buscadas ou quais autoridades foram acionadas”, disse Ingrid Zanella, presidente da OAB-PE e especialista em direito ambiental.

Críticas da sociedade civil

Integrantes da campanha Mar de Luta, que reúne pescadores artesanais, ambientalistas e representantes de comunidades atingidas, criticam a lentidão e a falta de transparência no processo.

“É inadmissível que, após tantos anos, as comunidades ainda sofram os impactos do óleo e não tenham nenhuma reparação. Queremos justiça, responsabilização e garantias de que isso não voltará a acontecer”, declarou Andrea Rocha, coordenadora da campanha e integrante do Conselho Pastoral dos Pescadores da CNBB.

A ativista relata que ações civis públicas por reparação foram arquivadas por falta de provas conclusivas e denuncia a ausência de dados públicos básicos, como o número de pessoas afetadas ou o real alcance ambiental do derramamento.

Processos parlamentares e contexto político

O caso também foi alvo de três comissões parlamentares, entre elas uma CPI da Câmara dos Deputados, que terminou em 2021 sem relatório final. Um relatório paralelo, elaborado por deputados da oposição, apontou omissão do governo federal da época, liderado por Jair Bolsonaro, o que teria agravado os efeitos do desastre.

No Senado, uma Comissão Temporária Externa concluiu, em 2022, que o desastre ocorreu em meio ao desmonte da governança ambiental federal, com cortes orçamentários e enfraquecimento de órgãos de fiscalização.

Expectativas e reivindicações

A campanha Mar de Luta elenca cinco eixos de reivindicação:

  • Reconhecimento da dimensão do crime ambiental
  • Recuperação total dos ecossistemas afetados
  • Reparação socioeconômica às vítimas
  • Fortalecimento da legislação de proteção costeira
  • Punição dos responsáveis, inclusive por omissão

“Se um crime dessa magnitude ficar impune, o Brasil estará dizendo ao mundo que seus mares e sua população costeira não têm valor. É isso que está em jogo”, alerta Andrea Rocha.

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