Entre o afeto e a ausência: o Dia dos Pais na pele de mães solo

O Bahia.ba ouviu quatro mães que relataram quais são os maiores desafios da maternidade solo

Criar um filho sozinho traz desafios diários que vão muito além das responsabilidades financeiras. Muitas mulheres relatam a ausência da figura paterna especialmente na educação e no apoio emocional, acumulando funções e enfrentando o peso dessa responsabilidade sozinhas.

Jornalistas, servidoras públicas, professoras, entre outras. Esse é o cenário atual das mães solo no Brasil, que, muitas vezes, assumem o papel de pai na criação de seus filhos(as), tornando-se invisíveis justamente no Dia dos Pais, uma data dedicada ao amor paterno. Em um contexto cada vez mais presente na sociedade, o bahia.ba entrevistou quatro mulheres que enfrentam essa realidade e lidam com a dupla jornada em casa.

De acordo com dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2024, o número de mães solo é muito maior do que o de pais solo no Brasil. Segundo o Censo Demográfico 2022, 10.321.771 de casas são chefiadas por mulheres que moram apenas com os filhos. Enquanto isso, apenas 1.614.739 de domicílios são comandados por homens que também criam seus filhos sozinhos.

Para Arlinda Maria Rodrigues do Carmo, professora da rede pública e mãe de Anna Maria do Carmo, de 15 anos, apesar de sua filha entender a situação, ela ainda questiona.

“Às vezes, ela me pergunta: ‘Mãe, por que você não escolheu um pai mais responsável?’ Ela fica triste ao ver minha luta sozinha e acredita que, se o pai fosse mais presente, teria uma vida mais feliz”, contou a professora.

Já para Priscila Oliveira, formada em RH e mãe de Pedro Teles, de 18 anos, o reconhecimento pelo seu papel duplo, especialmente no Dia dos Pais, é recebido, mas com um certo desconforto.

“Eu recebo muitas mensagens nesse dia, mas, de coração, não é o tipo de reconhecimento que eu realmente gostaria. Não me sinto satisfeita ao ver que o outro transfere sua responsabilidade e abdica de cumprir o mínimo esperado de um pai. Contudo, o reconhecimento que realmente me anima é poder testemunhar o homem que venho formando para o mundo”, afirmou Priscila.

A jornalista Letícia Rastelly, mãe de Valentim, de quase dois anos, comentou que a maior dificuldade de criar um filho sozinha é a falta de rede de apoio.

“Criar um filho sozinha é difícil principalmente quando você não tem rede de apoio. Muitas vezes, isso significa deixar de se cuidar. Você vira mãe, e vira mãe integralmente. Mesmo quando está trabalhando, sua mente está voltada para o seu filho. Aquele tempo que, teoricamente, você teria para si — como, por exemplo, uma hora para ir à academia — você não utiliza, porque precisa estar com a criança. Não há outra pessoa para dividir essa responsabilidade. E ter um filho é, antes de tudo, uma questão de responsabilidade”, relatou Letícia.

“Quando a gente é mãe solo, acaba adiando — ou até deixando de lado — o papel de mulher. Para mim, esse talvez seja o maior desafio: é como se você deixasse de existir. Você passa a existir unicamente para prover. Seja trabalhando, seja cuidando da criança e da rotina do dia a dia”, complementou a jornalista.

A servidora pública da Câmara Municipal de Salvador, Jeanine Souza, mãe de Heitor, de 7 anos, compartilhou os desafios da maternidade solo e da ausência de rede de apoio desde o início da gestação.

“Desde a minha gravidez, tenho sido solo. E, para piorar, eu não tenho nenhuma rede de apoio. Ou seja, sou eu e eu mesma aqui nesse lugar, porque minha família toda mora no Espírito Santo e no Rio. Estou realmente sozinha”, lamentou Jeanine.

“Tem a questão da saúde, a questão financeira, porque tudo sou eu quem banca. Eu preciso correr atrás, trabalhar, estudar, me virar em muitas frentes. A escola onde ele estuda fui eu quem escolheu e sou eu quem paga. Os esportes que ele faz, as roupas que veste, as viagens que faz, a alimentação, a moradia — tudo é por minha conta. Eu moro num lugar onde muitas pessoas têm babá, têm apoio, mas eu não tenho. Porque, se eu tiver o ‘luxo’ de pagar uma babá, deixo de oferecer outras coisas para ele. Então, sou eu que levo, que busco, que cuido de tudo”, acrescentou a servidora pública.

Desafios

“Minha filha tem 15 anos, mas é madura como uma adulta. Ela sabe disso e faz o possível para que eu me orgulhe do caminho que ela está trilhando”, contou a professora Arlinda.

Quando questionada sobre a falta de uma figura paterna no dia a dia, Priscila respondeu que há dificuldades.

“Sinto bastante falta na educação. Educar é acolher, corrigir, orientar… E ainda ter que lidar com o cansaço emocional e as inseguranças que vêm junto”, disse Priscila.

Já Jeanine desabafou sobre a responsabilidade que carrega sozinha.

“O pai dele é ausente em tudo — no financeiro, em tudo mesmo. Eu que tenho que dar conta de tudo sozinha, e isso pesa muito, é um peso enorme nas minhas costas. Por um lado, é complicado, porque tudo que ele precisa, ele tem que recorrer a mim”, concluiu.

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