Na cadeia, Maluf mostra fragilidade e se diz inocente

Complexo PenitenciA?rio da Papuda, em BrasA�lia

Eu visitei Paulo Maluf na prisA?o. Ele estava tA?o ansioso para o encontro, na sexta-feira (2), que jA? me esperava na porta do bloco em que fica sua cela no Complexo PenitenciA?rio da Papuda, em BrasA�lia. a�?Minha queridaa�?, disparou no velho estilo, abrindo os braA�os para um abraA�o. a�?Vim fazer a recepA�A?o a vocA?.a�? Maluf, 86, parece ainda mais velho. EstA? de cabelos mais brancos do que o usual (ele nA?o pode mais pintar), barba por fazer e com a pele do rosto cheia de manchas.

A� o dia da visita semanal de familiares e amigos aos detentos da Papuda. Todos os que entram tA?m que se vestir de branco da cabeA�a aos pA�s e usar sandA?lias no estilo Havaianas, o mesmo uniforme dos presos. A primeira impressA?o que se tem A� a de estar numa cerimA?nia religiosa de umbanda ou candomblA�. Maluf tambA�m estA? vestido de branco. Como tem muita dificuldade de caminhar, foi autorizado a usar sapatos.

Curvado e apoiando o braA�o esquerdo em uma muleta, ele anda vagarosamente pelo corredor que nos levarA? A� cela 10, um espaA�o de cerca de 10 mA? que divide com trA?s detentos. Apoia o lado direito do corpo na parede para nA?o cair. O dedo mA�nimo de sua mA?o estA? sangrando, deixando marcas por onde encosta. O ex-ministro Geddel Vieira Lima, num pA?tio ao lado separado do corredor por uma grade, vA? Maluf. Acena uma vez. Acena de novo, algo surpreso ao reconhecer a colunista da Folha.

CELA

Maluf empurra a porta da cela. a�?Ladies first [mulheres primeiro]a�?, diz. O local tem dois treliches, num total de seis camas. Mas sA? quatro sA?o ocupadas a��alA�m dele, o espaA�o hospeda um mA�dico, um holandA?s e um exfuncionA?rio pA?blico. Todos penduram lenA�A?is e cobertores para tapar a vista dos colchA�es, preservando a pouca privacidade que tA?m.

O ex-prefeito diz que nA?o sabe bem por que crimes os colegas foram condenados. Nem quer saber. a�?A regra aqui A� a�?Dona��t ask, dona��t tella�� [nA?o pergunte nada, nA?o conte nada]a�?, ensina. HA? ainda uma mesa e quatro cadeiras de plA?stico e uma TV Semp de 16 polegadas. As paredes parecem um pouco sujas, mas o chA?o estA? limpo. Maluf oferece uma cadeira. Senta-se em outra. E desanda a falar. a�?Veja, eu estou aqui… eu nA?o posso e nA?o quero dar entrevista. Mas por que estou aqui?a�?, questiona.

Querem que eu cumpra pena? Tudo bem. Mas eu posso cumprir em SA?o Paulo, perto da minha famA�lia. Eu posso cumprir na minha casa. Eu sou o A?nico preso aqui que tem 86 anos. E cumprindo regime fechado! O A?nico!

SAAsDE

Invoca seus problemas de saA?de. a�?Eu tive cA?ncer de prA?stata. Eu sou cardA�aco. Tomo 15 remA�dios por dia.a�?
Aponta para os medicamentos, que ficam em saquinhos plA?sticos e sA?o guardados na cama de cima do treliche junto a frutas, biscoitos e Toddynhos que sA?o levados aos presos pelos familiares. Precisa fazer fisioterapia, mas a especialista da A?rea estA? de fA�rias e ele nA?o consegue comeA�ar o tratamento. a�?A doutora Etelvina [mA�dica da Papuda] A� maravilhosaa�?, segue ele.

a�?O Mike tambA�ma�?, diz, referindo-se ao mA�dico que estA? na mesma cela.A�a�?Ele foi colocado aqui para cuidar de mim por causa dos meus problemas de saA?dea�?, afirma. a�? a�?Todos tA?m boa vontade. Mas A� aquela coisa: o Ayrton Senna vai correr em Interlagos. Se ele nA?o tem uma Ferrari, de que adianta tentar correr a pA�? Eles sA?o bons, mas aqui nA?o hA? condiA�A�es [de um bom tratamento de saA?de].a�? Conta que a�?outro dia chamaram o Mike para atender a um jovem de 22 anos que teve parada cardA�aca. Ele fez de tudo, mas precisava de desfibrilador. O moA�o morreu.a�? Jesse Ribeiro, amigo e assessor hA? 42 anos que o visita todas as sextas-feiras, pega papel higiA?nico para Maluf limpar o dedinho, que continua sangrando.

O banheiro da cela foi reformado por causa do ex-prefeito: barras foram colocadas para ele se segurar durante o banho, com chuveiro Lorenzetti. Um degrau foi nivelado. HA? uma pia e uma privada. Maluf diz que nA?o pode reclamar do tratamento tanto dos presos quanto dos agentes, a�?muito educadosa�?. a�?Me tratam de forma reverencial, pela idade e pela minha histA?ria.a�? Diz que outro dia um detento fez atA� discurso: a�?No tempo do Maluf as pessoas em SP andavam tranquilas porque tinha a Rotaa�?.

Quando chegou A� Papuda, o ex-prefeito deu um pouco de trabalho. Com o jA? conhecido jeito mandA?o, distribuA�a atA� broncas entre os agentes. Numa manhA?, ele recebia a visita de Jesse quando o carcereiro chegou para levA?-lo A� dentista. Batendo no pulso, Maluf dizia: a�?Ela combinou A�s 9h. E jA?A�sA?o 11h. Aqui nA?o tem horA?rio? NA?o vou.a�? O assessor interferiu. a�?Doutor Paulo, aqui o senhor nA?o A� autoridade. A� preso.a�?

COMIDA

Mike, jovem, alto e forte, chega com trA?s copos de plA?stico com cafA� e leite que nos oferece. Outro preso entrega uma quentinha para o ex-prefeito. a�?Abre aA� para ela ver o meu rangoa�?, pede ele. O almoA�o do dia A� arroz, feijA?o, frango desfiado e cenoura cozida. a�?NA?o A� que a comida seja ruim. A� que nA?o A� o gosto de casa, que eu estou acostumado.a�? Ele rejeita as quentinhas e sA? come a comida da cantina: pizza, esfirra, cachorro-quente e pamonha. a�?E tomo Coca-Cola e Fanta o dia inteiro.a�? O ex-prefeito tem direito de gastar R$ 100 por semana, que Jesse leva a ele todas as sextas-feiras, junto com frutas e A�s vezes biscoitos.

JA? estourou o orA�amento e teve que pedir dinheiro emprestado duas vezes ao ex-senador Luiz EstevA?o, de BrasA�lia, que tambA�m cumpre pena na Papuda. a�?Todos os domingos eu e a Sylvia [mulher dele] almoA�A?vamos comida A?rabe em casa, com os quatro filhos, os seis netos e os 13 bisnetosa�?, diz. E comeA�a a chorar. a�?Eu sinto falta da Sylvia, sabe? Ela sorriu comigo, ela chorou comigo a vida inteira. Ela vai fazer 83 anos no dia 12 de abril. E no dia 23 nA?s fazemos 63 anos de casadosa�?. SoluA�ando, repete a frase que jA? virou bordA?o: a�?Eu sou casado hA? seis dA�cadas. Com a mesma mulhera�?.

Maluf nA?o admite que a famA�lia o visite. a�?VocA? acha que uma mulher da idade dela tem que passar pelo que vocA? passou hoje [revista A�ntima]? NA?o quero! NA?o quero!a�? Os filhos tambA�m estA?o proibidos por ele de ir A� Papuda. Jesse A� o A?nico autorizado a visitA?-lo. a�?Eu nA?o estou triste. Eu estou A� magoado, sabe? Eu sou atA� um homem de sorte. Eu tenho uma mulher exemplar. E nasci no Brasil. Aqui A� uma democraciaa�?, diz. a�?Se eu tivesse nascido no LA�bano [como seus antepassados], eu poderia estar sendo torturado, executado, sem chance de defesa. Aqui meus advogados vA?o conseguir provar que sou inocente.a�?

Ele A� defendido pela equipe dos escritA?rios de Ricardo Tosto e de Antonio Carlos de Almeida Castro. Eles pedem no STJ (Superior Tribunal de JustiA�a) que Maluf cumpra prisA?o domiciliar atA� o julgamento de habeas corpus que apresentaram ao STF (Supremo Tribunal Federal). O ex-prefeito cita um professor de direito que dizia aos alunos: a�?VocA?s precisam ter sobriedade para condenar e coragem para absolvera�?. a�?Mas parece que agora muitos tA?m medo de absolvera�?, segue.

‘SA� FIZ O BEM’

a�?Eu sA? fiz o bem a minha vida inteiraa�?, afirma. E comeA�a a citar as obras que fez na cidade de SA?o Paulo quando foi governador do Estado e depois prefeito. a�?Queriam derrubar o MinhocA?o porque ele se chamava Costa e Silva [general que presidiu o paA�s de 1967 a 1969, na ditadura militar]. Agora que mudou de nome [para JoA?o Goulart], ninguA�m critica mais, nA�?a�? Se detA�m na avenida A?guas Espraiadas a��ele foi condenado A� prisA?o justamente sob a acusaA�A?o de ter desviado recursos da obra.

a�?A minha avenida…a�?, diz, e volta a chorar. a�?Eu fiz 80% dela. Faltam sA? 20% para ligA?-la A� [rodovia] Imigrantes. Seis prefeitos vieram depois de mim. E ninguA�m termina a minha avenida.a�? a�?Aquele lugar [onde hoje passa a via] era um lixA?o, com 40 mil favelados. Foram todos morar nos prA�dios do Cingapura. NA?o machuquei ninguA�m. NA?o matei ninguA�m. Por que eu estou aqui?a�?, diz, soluA�ando. a�?Eu estou sofrendo uma tortura moral.a�? Diz que nA?o teve medo quando soube que seria preso, em dezembro. Levado A� carceragem da PolA�cia Federal em SP, ele passou dois dias com os irmA?os Wesley e Joesley Batista, da J&F. a�?Eles foram uns amores comigo.a�?

Engasga para nA?o chorar outra vez. a�?Uns amores. Limparam a minha cela, me deram chocolates. Eles foram de um carinho comigo que nem meus filhos FlA?vio e OtA?vio poderiam ser.a�? Mike volta A� cela. Pergunta quanto tempo Maluf ainda precisa para receber as visitas reservadamente. a�?Estou acabando. Uns dez minutosa�?, responde o exprefeito. O combinado A� que cada preso tenha um tempo sozinho no espaA�o com as pessoas que recebe. A mulher do mA�dico estA? na Papuda e ele tem direito a visita A�ntima.

Maluf se dA? bem com os colegas de cela, com quem costuma ver TV. a�?Mas detesto a novela a�?O Outro Lado do ParaA�soa��. Eles gostam. Eu entA?o tomo um remA�dio para dormir e caio no sonoa�?, diz. Ou entA?o lA? a�?Minha FormaA�A?oa�?, de Joaquim Nabuco, enviado pelo senador Edison LobA?o (MDB-MA) a��que mandou A� Papuda tambA�m, por meio de advogados, a�?Paulo e EstevA?oa�?, de Chico Xavier. Um outro livro de cabeceira A� a�?A Cabanaa�?, de William P. Young, presente das netas.

A�LUIZ ESTEVA?OA�

SaA�mos da cela para dar lugar a Mike. E encontramos o ex-senador Luiz EstevA?o no corredor. De cabelos brancos, mas aparentando excelente preparo fA�sico, ele abre os braA�os. a�?OlA?A?A?!a�?, exclama. a�?O Paulo A� uma pessoa maravilhosa, doce, educada e tem uma memA?ria invejA?vela�?, diz EstevA?o, que A� um dos presos mais prA?ximos de Maluf.

O ex-senador jA? distribuiu marmitas na Papuda e hoje A� diretor da biblioteca, uma pequena saleta com paredes, mesas e cadeiras de plA?stico brancas e livros em estantes. Vamos para lA? e encontramos a famA�lia dele a��a mulher, Cleucy, e trA?s de seus seis filhos. Todos vestem branco e usam chinelos de dedo da mesma cor. Maluf pede alguns minutos a sA?s com Jesse. Vou com EstevA?o para o pA?tio, onde outros detentos recebem suas visitas.

O lugar A� tranquilo jA? que o bloco A� destinado a presos idosos ou vulnerA?veis, que nA?o podem ser misturados A� massa carcerA?ria. EstevA?o caminha com desenvoltura entre os presos. Conhece quase todos. a�?Esse aqui vai voltar para a Holanda na semana que vema�?, conta, apresentando-me a um dos colegas de cela de Maluf. Ele explica a regra de nada perguntar e nada responder aos outros detentos. a�?HA? muitos presos por crimes sexuais aqui, por exemploa�?, diz. a�?Se vocA? fica conhecendo as histA?rias em detalhes, acaba ficando com ojeriza de algumas pessoas. E isso A� pA�ssimo para a convivA?ncia porque o lugar A� pequeno. Melhor nA?o saber de nada.

a�?Esta A� a cantina. Eu jA? falei para o Paulo: a A?nica vantagem de estar aqui A� emagrecer. Mas ele come tanta bobagem [comidas gordurosas da cantina] que vai acabar engordando e piorando seus problemas de saA?dea�?, diz. EstevA?o tem aconselhado Maluf a receber a famA�lia. a�?Todo mundo que entra aqui acha que vai sair rA?pido. Mas ele jA? estA? hA? dois meses. Se nA?o encontrar ninguA�m, vai acabar muito para baixo.a�? JA? A� quase meio-dia, hora da partida. Maluf nos acompanha atA� a saA�da.

Jesse dA? os A?ltimos recados: encontrou-se recentemente com o vice-governador de SA?o Paulo, MA?rcio FranA�a (PSB-SP). a�?Ele te mandou um abraA�o.a�? Maluf retribui: a�?Manda outroa�?. E pergunta: a�?Ele A� candidato [ao governo de SP]?”. Jesse diz que sim. a�?E o Alckmin? A� candidato?a�? O assessor explica que o tucano se impA?s e deve ser o presidenciA?vel do PSDB. Ao se despedir, Jesse entrega a Maluf os R$ 100 para as despesas semanais na cantina. a�?A� a minha mesadinhaa�?, diz o ex-prefeito antes de guardar o dinheiro no bolso.

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