Apostas online e jogos de azar causam prejuízo anual de R$ 38,8 bilhões ao Brasil, aponta estudo
Jogos de azar e apostas online — popularizadas pelas chamadas bets — geram impactos econômicos e sociais negativos estimados em R$ 38,8 bilhões por ano no Brasil. O dado é do estudo “A saúde dos brasileiros em jogo”, divulgado nesta terça-feira (2), que analisa a expansão do setor e seus efeitos na saúde pública, nas finanças das famílias e no mercado de trabalho.
O valor engloba prejuízos como gastos com saúde mental, aumento de suicídios, perda de produtividade, endividamento, afastamentos do trabalho e encarceramento. Para efeito de comparação, o montante seria suficiente para ampliar em 26% o orçamento do Minha Casa, Minha Vida em 2024, ou aumentar em 23% o investimento anual do Bolsa Família.
A pesquisa foi realizada pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps), pela organização Umane e pela Frente Parlamentar Mista para Promoção da Saúde Mental, que reúne cerca de 200 parlamentares.
Explosão das apostas no país
Segundo o estudo, 17,7 milhões de brasileiros fizeram apostas apenas nos últimos seis meses, e cerca de 12,8 milhões já apresentam risco elevado de desenvolver problemas relacionados ao jogo — número baseado em levantamentos da Unifesp.
O cálculo se baseia em metodologia usada no Reino Unido para mensurar perdas diretas e indiretas. Os prejuízos foram estimados assim:
- R$ 17 bilhões – mortes adicionais por suicídio
- R$ 10,4 bilhões – perda de qualidade de vida devido à depressão
- R$ 3 bilhões – gastos médicos com tratamento de depressão
- R$ 2,1 bilhões – seguro-desemprego
- R$ 4,7 bilhões – encarceramento ligado a crimes associados ao jogo
- R$ 1,3 bilhão – perda de moradia
Desse total, 78,8% (R$ 30,6 bilhões) estão diretamente relacionadas à saúde.
O documento ressalta que o rápido crescimento das bets, somado à falta de regulação rigorosa e à forte presença publicitária, já impacta negativamente o comportamento de consumo, o endividamento e o aumento de transtornos mentais no país.
Baixa arrecadação não compensa prejuízo
Apesar do enorme volume movimentado — R$ 240 bilhões enviados às bets apenas em 2024, segundo o Banco Central — a arrecadação ainda é considerada baixa. Até setembro, o governo havia arrecadado R$ 6,8 bilhões, chegando a quase R$ 8 bilhões em outubro.
Mesmo com projeção anual de até R$ 12 bilhões, o valor não cobre o prejuízo calculado pelo estudo. “A conta não fecha do ponto de vista do interesse público”, afirma o relatório.
Atualmente, as bets pagam 12% de imposto sobre a receita bruta, enquanto tramita no Senado o PL 5473/2025, que propõe elevar a alíquota para até 24%. Apostadores também pagam 15% de IR sobre prêmios.
O levantamento critica ainda o repasse mínimo para a saúde: apenas 1% da arrecadação é destinado ao Ministério da Saúde — cerca de R$ 33 milhões até agosto — sem vinculação direta a ações da Rede de Atenção Psicossocial (Raps).
Setor gera poucos empregos e é altamente informal
O impacto econômico das bets também é considerado “irrisório”. O setor tinha apenas 1.144 empregos formais registrados no Ministério do Trabalho.
Para cada R$ 291 gerados pelas empresas, apenas R$ 1 vira salário formal.
Outro dado preocupante: 84% dos trabalhadores do setor não contribuíram com a previdência em 2024, muito acima da média brasileira, que é de 36%.
Estudo cita modelo britânico como referência
O relatório apresenta medidas adotadas no Reino Unido que podem inspirar políticas brasileiras, como:
- Autoexclusão: apostador bloqueia acesso a todos os sites licenciados por até 5 anos
- Publicidade altamente restrita, proibindo apelos a jovens e promessas de solução financeira
- Metade da arrecadação tributária destinada ao tratamento de dependentes do jogo
Sugestões para o Brasil
O Ieps lista cinco caminhos para reduzir danos:
- Aumentar a destinação de impostos das bets para a saúde
- Capacitar profissionais do SUS para lidar com dependência de jogo
- Proibir propagandas e promover campanhas de conscientização
- Restringir acesso de menores e pessoas em situação de risco
- Imposer regras mais rigorosas às empresas para garantir retorno financeiro e combate à corrupção
“A legalização parece ser um caminho sem volta. Cabe ao Estado mitigar os danos e estruturar mecanismos de proteção”, diz Rebeca Freitas, diretora do Ieps.
Empresas de apostas rebatem aumento de impostos
O Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), que representa cerca de 75% do mercado, se posicionou contra elevar a tributação. Segundo a entidade, impostos mais altos podem “fortalecer o mercado clandestino”, onde já operariam mais de 51% das apostas online no país.

