Rios em Lauro de Freitas são transformados em esgotos a céu aberto

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Aos 79 anos, o pescador José Pinheiro, conhecido como Neco, sente saudade da época em que tirava dos rios de Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador, o sustento da família. “Tem dia que a gente chega para pescar e é uma tristeza. Essa água suja vai assim mesmo para o mar. Não tomam providência. Fica uma nata verde aí em cima. Antigamente, o rio dava muitas condições para gente. Hoje, não pode pegar peixe, nem siri… Não tem mais. Já morreu tudo”, relata o trabalhador que vive da pesca desde seus 17 anos.

A morte dos rios que cortam a cidade metropolitana não é história de pescador.  Em conversa com representantes de associações locais, o BNews ouviu que a situação se arrasta há pelo menos uma década. “Os rios Ipitanga e Picuaia estão mortos. O rio Sapato agoniza. O Joanes, após a área onde deságua o Ipitanga, próximo ao Condomínio Encontro das Águas, está praticamente morto, assim como os demais córregos e riachos afluentes”, afirma o presidente do Movimento Rios Vivos, Fernando Guimarães Borba.

De acordo com Borba, o Ministério Público da Bahia (MP-BA) está ciente do crime ambiental. A representação mais recente, assinada por Borba, pelo coordenador geral da Salva, Marcio Costa, e também pelo presidente da Associação Comercial e Empresarial de Lauro de Freitas (ACELF), Coriolano Oliveira, foi encaminhada ao MP-BA no dia 26 de março deste ano.

No documento, são abordados os danos ambientais causados ao rio Joanes, decorrentes da ausência de fluxo mínimo de água à jusante das barragens Joanes I e Ipitanga I. Os dois barramentos são operados pela Empresa Baiana de Águas e Saneamento S.A. (Embasa).

De acordo com o MP-BA, está em andamento um inquérito civil instaurado por meio da promotora de Justiça Maria Augusta de Carvalho. Pareceres técnicos do órgão estadual e do Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) já apontaram que nas duas barragens não há fluxo de água mínimo, o que prejudica o que os especialistas chamam de “vazão ecológica”. Os relatórios revelaram também que há deficiência do serviço de coleta de esgotamento sanitário.

Segundo o Ministério Público, a promotora requisitou informações à Embasa e solicitou ao Inema e à equipe técnica do MP-BA vistoria nas barragens Joanes I e Ipitanga I para apurar eventual existência e dimensionar a extensão de danos ambientais decorrentes da privação do Rio Joanes de fluxos mínimos de água.

“O que assistimos é a devolução desta água contaminada por esgotos sem tratamento adequado. Em 2010, o governador Jaques Wagner e a prefeita, que foi reeleita, Moema Gramacho, garantiram que até final de 2013 as obras do saneamento estariam concluídas, mas foram paralisadas em 2012, e só retomadas no ano passado. E, pelo que informam, não se concluem tão cedo”, detalha Borba.

Acompanhada do coordenador geral da Salva, a reportagem visitou a barragem Joanes I. No local, uma vegetação cobria parte da água que apresentava uma cor escurecida. O cenário, segundo Marcio Costa, é completamente diferente de pelo menos um ano atrás. “Eu não sabia que ela já estava sendo tomada pela vegetação. Era bonito isso aqui. Essa cor… Parece que tem alguma coisa lançada há muito tempo. A água estava límpida”, relata.

Para Costa, as ações da empresa pública são mal gerenciadas no município. “A Embasa não dá manutenção nem ao que ela usa. Os rios Joanes e o Ipitana são retidos totalmente em duas barragens. Toda água retida vai para Embasa e não se verte água para Buraquinho, para passar no Centro de Lauro de Freitas. O que a gente tem nesses pontos é esgoto. Lauro está virando uma cidade com esgoto a céu aberto. Tirando o Sapato, que ainda não conseguiram poluir totalmente, os rios são esgotos a céu aberto”, lamenta e destaca que um sistema de esgotamento sanitário eficiente já foi solicitado pela comunidade à prefeitura.

No último dia 20 de março, houve uma reunião entre o MP-BA, representantes da Embasa, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh) e da APA Joanes-Ipitanga. Na ocasião, a Embasa solicitou 60 dias para se manifestar sobre as propostas de medidas apresentadas no parecer técnico do Ministério Público, realizado pelo Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente (CEAMA) do MP-BA, em outubro de 2018, e informou que estão em andamento obras para liberação da vazão das barragens.

Outro lado
A assessoria da Embasa justificou que a “responsabilidade pela destinação adequada de efluentes poluidores, a exemplo do esgoto doméstico, é de quem os produz”.

Segundo a empresa pública, em Lauro de Freitas, está em andamento uma obra de ampliação do sistema de esgotamento sanitário do município. A empresa estima que a primeira etapa seja concluída em 2020 e a segunda, licitada no segundo semestre de 2019. O investimento global será de R$ 207 milhões.

Com relação à vazão ecológica das barragens de Ipitanga I e Joanes I, a Embasa disse que quando essas estruturas foram construídas, em 1935 e 1956, respectivamente, não havia legislação ambiental determinando a previsão de liberação de vazão ecológica nos estudos hidrológicos que antecedem a construção de barragens.

De acordo com a empresa, no ano passado, foi elaborado o plano de segurança dessas barragens por uma empresa especializada, que por meio de cálculos definiu a vazão mínima para cada uma. A obra de implantação do sistema de vazão ecológica da barragem do Ipitanga está prevista para junho de 2019. Já o sistema da barragem do Joanes, por ser mais complexo, está em fase de detalhamento do projeto e deve ser implantado até janeiro de 2020.

A prefeitura de Lauro de Freitas também foi procurada, mas até o fechamento da reportagem não enviou nenhum esclarecimento.

Fonte: Bnews

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