Com ‘jeitão de pastor’, Lula quer PT perto de evangélicos

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Por: Folhapress

Nos 580 dias preso em Curitiba, Lula tinha na TV uma das poucas distrações e, bom, queria fugir da Globo. Em outros canais, pululavam programas de pastores e padres. Mais do que hobbie, viraram aprendizado.

Entre evangélicos, seu PT, afinal, perdeu de lavada na eleição presidencial de 2018 –estima-se que no segundo turno tenha conquistado 3 de cada 10 votos nesse grupo.

O ex-presidente compartilhou com amigos quão impressionado ficava com a prosa dos religiosos. Passou a achar que, assim como ele, militantes petistas deveriam assistir mais às pregações na TV. Em vez de irem uma vez por mês às reuniões do PT com boas ideias, mais valia bater diariamente nessa mesma tecla de que é preciso criar elos com os evangélicos, dizia.

Na semana passada, há dois meses fora da prisão, Lula voltou ao tema em entrevista à TVT (TV do Trabalhador). Rindo, disse que quer “entrar nessa” e até tem “jeitão de ser pastor, tô de cabelo branco”. Também podia ser padre, “é só a Igreja [Católica] acabar com o celibato que eu topo”.

O bate-papo reverberou na legenda como um sinal para que ela se empenhasse em reconquistar uma fatia do eleitorado que já lhe foi mais amigável. A dúvida, entre evangélicos, inclusive aqueles à esquerda, é se o PT incorrerá em erros passados ao acenar ao segmento.

“Quero até fazer discussão com eles [evangélicos]. Quero mostrar quem foi o presidente que mais os tratou com respeito”, afirmou Lula à TVT, para seguir com uma alfinetada em Jair Bolsonaro: “Não tem esse negócio de me batizar, não, nunca neguei que sou católico”.

Já com a candidatura ao Planalto em mente, quatro anos atrás o atual presidente, também católico, foi batizado em águas de Israel pelo líder do PSC, sua sigla à época.

Na entrevista, Lula recordou ainda de um tio e um sobrinho que já foram aliados: “Pergunte para Edir Macedo, [Marcelo] Crivella, quem tratou eles melhor”.

E lembrou que o eleitorado que votou em peso em Bolsonaro já foi seu. Logo, não daria para “ficar quieto” diante das fake news que contaminaram os evangélicos em 2018. “Aquela tal de mamadeira [com bicos em formato de pênis] que inventaram, e não vou citar o nome aqui porque acho grotesco, não pegaria em mim.”

Se projeções indicam que evangélicos são 3 de cada 10 eleitores e podem ser maioria em pouco mais de uma década, o PT fica onde nessa história? Daí Lula orientar sua militância a tentar reverter a sangria eleitoral no nicho.
Ele está certo quando diz que evangélicos já tiveram o PT em mais alta conta.

O pastor Silas Malafaia, por exemplo, destoou dos colegas que viam em sua versão de 1989 um belzebu comunista e o apoiou. Em 2002, até na campanha ele fez uma pontinha.

O bispo Edir Macedo era um dos que o satanizou em 1989. O líder da Igreja Universal mudou de ideia e, em 2010, o jornal Folha Universal chegou a publicar reportagem para blindar Dilma Rousseff contra acusações de que ela seria uma “aborteira”: “Boato do Mal”.

Caso similar ao da Assembleia de Deus, maior guarda-chuva evangélico do país. Algumas de suas alas mais poderosas, como o Ministério Madureira, estiveram com Dilma antes e hoje são Bolsonaro desde criancinhas.

A cena se repete com políticos do bloco da fé. A aliança com petistas atraía do ex-senador Magno Malta ao deputado Marco Feliciano, agora entre os que mais torpedeiam a legenda.

Pesquisas Datafolha mostram o apequenamento do PT nesse nicho. Em 2006, às vésperas do segundo turno, 59% dos evangélicos declaravam estar com Lula, e o resto iria de Geraldo Alckmin (PSDB).

A eleição de 2010 foi um marco na mudança dos humores do grupo, com o tema do aborto sombreando a campanha de Dilma. Ainda assim, a petista aparecia numericamente a frente (51%) do tucano José Serra nas intenções de voto.
Quatro anos depois, a dianteira do PT já era. Dilma até ganhou, mas, a dias de votar, 53% dos evangélicos declararam preferir Aécio Neves (PSDB). Em 2018, a queda foi feia: a intenção de votos válidos era de 69% para Bolsonaro.

O PT já tem um núcleo evangélico desde os anos 1980, quando eram tachados, também por causa da ligação com católicos, de “igrejeiros”, lembra a deputada Benedita da Silva (RJ). Ela, coordenadora nacional da célula evangélica do partido, e Rejane Dias (PI) são as únicas evangélicas entre os 53 petistas na Câmara.

Está previsto para março o segundo encontro do PT sobre o tema. “Queremos debater o porquê desse afastamento”, diz a presidente da legenda, deputada Gleisi Hoffmann (PR), que aponta evangélicos como grandes beneficiários de programas como o Bolsa Família.

Ela só não vê como reconstruir algumas pontes implodidas. Papo com Malafaia, Edir Macedo? “Sobretudo depois do que aconteceu em 2018 e até antes, no golpe de 2016 [impeachment de Dilma], de como trataram a gente, acho muito difícil uma reaproximação.”

Para Benedita, nem é tanto “questão de se reconectar”. “Você sabe que a igreja é também um poder e se articula com qualquer que seja o governo. Já estiveram com Dilma, Temer, Lula, FHC, Sarney. ‘Hay poder, no soy contra’.”

Há dentro do PT quem diga que o esforço para dialogar com evangélicos, por ora, é mais espuma do que substância.

Também reconhecem, nos bastidores, que pastores alinhados são de menor porte, têm influência limitada.

Mas a esperança é achar arestas num meio religioso tão pulverizado, com milhares de igrejas independentes –não existe essa que um Edir Macedo da vida manda em tudo, como pode parecer para quem vê de fora, dizem.

Daniel Elias, líder de uma pequena Assembleia de Deus em Duque de Caxias (RJ), ficou encarregado de encontrar fiéis no Rio dispostos a vir para o lado petista da força.

“Só quem é evangélico entende que a palavra do pastor é muito grande. Tem muito evangélico que não gosta do Bolsonaro e está silenciado. Só que, se você for contra pastor, acabou sua vida lá no templo.”

A ideia é “armar esses crentes com argumentos” para não caírem na lábia do pastor que diz que “cristão genuíno não vota em esquerda”. “Importante que esse debate seja feito de evangélico pra evangélico”, afirma Daniel. “O camarada não considera muito a palavra de fora. Quem falou que Bolsonaro é enviado a Deus foram pastores. Quem rebatia isso não era de dentro.”

Há exemplos práticos de como comprar essa briga. Se o evangélico for contra casamento homoafetivo, diga “simples, então você não casa”. Da mesma forma que a maior parcela evangélica não bebe cerveja, mas não faz lobby para proibir o álcool, diz Daniel.

Chamar atenção para condutas anticristãs também vale, como o apoio bolsonarista a armas e a apropriação de fala nazista pelo ex-secretário da Cultura Roberto Alvim.

“Cara, nem evangélico [Bolsonaro] é. Na minha visão de crente, quando olho profecia bíblica, ele tem características de anticristo: camarada levantado dentro da igreja, apoiado por cristãos.”

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